segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sete dúvidas sobre a "pílula do dia seguinte" da aids


Coordenador do Ministério da Saúde explica como vai funcionar a terapia de remédios que promete prevenir a transmissão do HIV

O Ministério da Saúde oficializou nesta segunda-feira, dia 4, uma política de saúde inédita no cenário da transmissão do vírus HIV, uma das principais causas de morte da população feminina em idade fértil e também a doença que a cada ano acomete mais mulheres.

Depois de um ano de discussão, o Departamento de DST, Aids e Hepatites virais - ligado ao Ministério - definiu que os 737 centros de referência em tratamento de doenças sexualmente transmissíveis existentes no País, a partir de agora, devem receber pessoas não contaminadas


Foto: Magda Fernanda Ascom Aids/divulgação

Ronaldo Hallal, infectologista do Ministério da Saúde, explica o coquetel do dia seguinte da aids


pelo vírus HIV e que tiveram relações sexuais inseguras (o preservativo estourou, por exemplo) para receber um tratamento medicamentoso preventivo, uma tentativa de coibir a transmissão da doença.

O mecanismo de ação é parecido com o da pílula de emergência para impedir a gravidez e, por isso, a técnica é chamada de “coquetel do dia seguinte" da aids. O procedimento consiste em oferecer, de graça, ao paciente – homem ou mulher – uma mistura de três medicamentos em até 72 horas após a relação sexual desprotegida. A mesma medicação deve ser tomada por 28

dias consecutivos, pode trazer efeitos colaterais graves e perde a eficácia se ingerida repetidas vezes.

Por isso, em entrevista ao Delas, o coordenador da proposta do Ministério da Saúde, o infectologista Ronaldo Hallal, sustenta que a camisinha permanece como forma mais segura e simples de prevenir o contágio pelo vírus HIV. A seguir, ele responde sete dúvidas sobre a “pílula do dia seguinte" da aids.

Delas: Como surgiu o “coquetel do dia seguinte” da aids?

Ronaldo Hallal: A ideia surge a partir do conhecimento sobre a prevenção da

aids acumulado nos últimos anos. Os antirretrovirais (medicamentos oferecidos para combater o vírus HIV) são usados de forma preventiva há muitos anos no caso da transmissão vertical entre mães e filhos durante a gravidez. Outro emprego preventivo de medicamentos contra a aids é no caso de acidentes biológicos. Há mais de vinte anos profissionais de saúde que sofrem acidentes, têm a luva furada no trato com o paciente ou são expostos a materiais contaminados já fazem esse tipo de prevenção. Tendo como base esses modelos começaram estudos para que a técnica seja usada também em pessoas que tiveram relações sexuais desprotegidas.

Delas: Como funciona o coquetel do dia seguinte?

Hallal: As pesquisas mostram que a utilização dos antirretrovirais é mais eficiente nas primeiras duas horas após a relação sexual desprotegida. O alcance máximo da prevenção é em até 72 horas após o risco. Mais do que isto não há efeito nenhum. Os medicamentos devem ser usados por 28 dias consecutivos. É importante lembrar que os efeitos colaterais dessas drogas não são desprezíveis. Por isso, o preservativo (masculino e feminino) ainda é a técnica de prevenção mais segura e barata.

Delas: Quem poderá e quem não poderá receber este tipo de tratamento?

Hallal: Varia caso a caso. Existem 737 serviços especializados em tratar pessoas que vivem com HIV no País. Esta mesma rede servirá de referência para atuar nesta nova situação. Assim como acontece em casos de acidentes com profissionais de saúde ou atendimento de vítimas de violência sexual, deve ser feita uma avaliação de risco e benefício do coquetel preventivo. Esta avaliação é individual. Passadas 72 horas da relação sexual desprotegida, por exemplo, não há benefícios do uso. A exposição crônica (relações sexuais consecutivas sem prevenção) também não possibilita efeitos benéficos. Em práticas sexuais sem penetração, tipo sexo oral, não é indicado. Existe ainda uma série de outros critérios que são avaliados caso a caso, como por exemplo, se era sabiamente conhecido que o parceiro tinha HIV, entre outras circunstâncias.

Delas: Os locais de oferta do coquetel já estão definidos?

Hallal: Esta nova política de saúde é fruto de uma discussão ampla realizada desde o ano passado, que envolveu pessoas atuantes no campo social da aids, comitês técnicos, assessores do Ministério da Saúde, experts no assunto e especialistas das secretarias de saúde estaduais e municipais. Já há um caminho percorrido, mas é preciso haver adaptações e definições claras, sobre quais unidades vão oferecer o coquetel, acompanhadas de uma divulgação informativa sobre esta possibilidade. Mas esta definição será feita localmente. Cabe a cada município ou Estado definir.

Delas: Qual é o risco de utilizar muitas vezes o "coquetel do dia seguinte" da aids?

Hallal: Pode desencadear uma resistência aos antirretrovirais, sem contar os efeitos colaterais. Isso significa que, caso a pessoa contraia o vírus HIV no futuro, será muito mais difícil encontrar um tratamento que faça efeito. E o risco de contaminação é grande, pois a exposição ao risco é constante. Este impacto nas opções terapêuticas contra a aids é um grande problema. Quanto mais restrita for a possibilidade de medicamentos, menor a chance de haver um convívio tranqüilo com o vírus HIV.

Delas: A geração atual não viveu os tempos mais severos de aids (nos anos 80) e já nasceu com um tratamento medicamentoso eficaz de controle da doença. Houve uma banalização da aids? Se sim, como conter uma nova onda de banalização com a terapia preventiva?

Hallal: Existe mesmo um efeito paradoxal do controle da epidemia. Existe uma geração que não conviveu com os efeitos mais graves da aids. Mas a doença não deve ser banalizada. O tratamento tem efeitos adversos importantes. O desafio agora é estabelecer uma comunicação eficiente e fazer com que a mensagem correta chegue às pessoas. É só por meio de uma boa adesão das práticas de relações sexuais seguras que vamos evitar danos futuros de adquirir HIV.

Delas: Já há relatos de pessoas que, já predispostas a ter uma relação sexual sem camisinha, consomem antirretrovirais, misturados a ecstasy e medicamento para disfunção erétil antes de ir para a balada. Como coibir um uso inadequado do coquetel preventivo e até uma comercialização clandestina dele?

Hallal: Há um controle do Ministério da Saúde. Caso ocorram repetidas buscas por medicamentos da prevenção da aids, esta pessoa deve ser encaminhada para uma rede de saúde, deve passar por testes e esta procura repetida é considerada um critério de exclusão do acesso. Ou seja, ela não poderá continuar usando a rede para esse fim. O acesso universal ao tratamento antiaids, sem custos e sem entraves nos faz crer que a comercialização de antiretrovirais não é problema relevante. Mas precisaremos ter controle e ficar atentos às possíveis buscas repetidas. Se isso ocorrer, faremos alertas a todos os serviços de referência.


Fernanda Aranda, iG São Paulo | 05/10/2010 15:36


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